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Reino da Escuridão Eterna – Parte IV

Patchwall 8, 591 do Ano Comum.

Eram os primeiros dias daquele outono, pouco depois das comemorações da Brewfest na parte central de Flanaess, quando as folhas ainda não haviam mostrado nenhuma intenção de se desprender das árvores ou mesmo abandonar a coloração esverdeada para adotar o amarelo que precedia o inverno. A chuva intensa da noite anterior finalmente resolveu dar uma trégua deixando cair pouco mais que um chuvisco.

Dmitri olhou para o céu ainda escuro pensando no que poderia encontrar naquela agourenta cidade. Sua concentração – que agora pairava sobre a lua nova que caia lentamente no horizonte embaçado da neblina – foi quebrada quando seus companheiros terminaram as magias de proteção que poderia dar alguma segurança durante uma rápida incursão dentro dos muros de Shandalanar. Era óbvio que o mais sorrateiro do grupo seria escolhido para averiguar qual a situação na cidade. E quando a noite estava prestes a terminar todos levantaram para imbuir o jovem bruxo com toda magia protetora que sabiam, o que incluía invisibilidade.

A caminhada até o portão foi lenta e cuidadosa, seguida pelos companheiros a uma distância razoável para que Dmitri fosse ouvido caso fosse necessário pedir por ajuda. Como medida extra, Fino instruiu seu morcego de estimação à ficar sob as roupas do suelita, assim o pequeno mago poderia acompanhar o desenrolar da investigação. Mas a demora também significava que o nobre do Condado de Urnst mantinha atenção a possíveis armadilhas pelo trajeto até a muralha por onde se esgueirou. Ele conferiu os movimentos dos guardas que não demonstraram qualquer reação – ou seja, realmente não repararam nada de incomum. Daí para estar dentro da cidade foi questão de segundos e lá dentro Dmitri pôde acompanhar a rotina normal das pessoas. O comércio funcionava com pessoas conversando e negociando.

O bruxo andou por vários pontos de Shandalanar e o que mais o deixava desconfiado era justamente a movimentação de uma cidade normal. Parecia que se ele chegasse contando sobre tudo que seu grupo passou nos últimos dias as pessoas iriam rir ou fazer deboches sem acreditar em nevoeiro, criaturas das sombras ou cultos malignos. Por um instante quase foi levado a acreditar nisso, até que resolveu realizar uma magia simples ensinada pelas fadas: qual o tipo de emoção estava emanando das pessoas.

Seu coração acelerou enquanto uma gota gelada de suor escorreu dos cabelos até o pescoço. Ali não existia nenhuma pessoa. Sua magia não captou qualquer emoção onde quer que ele procurasse. Aquilo só poderia ser uma ilusão grande, principalmente para manter uma cidade inteira em funcionamento. Aumentando a concentração, foi possível perceber que todas as imagens eram como espectros, manifestações do que um dia fora a rotina daquelas pessoas – o que na cabeça de Dmitri soava como assistir ao passado se materializando no presente de modo fantasmagórico.

Não havia vontade em permanecer nem mais um instante ali, sozinho como estava, então o bruxo retornou o mais rápido que pôde sem que tivesse deixado de lado os habituais cuidados. Depois que chegou onde seus amigos estavam, fez o melhor relato possível sobre a cidade e tudo o que descobriu por lá, com algumas impressões corroboradas pelas sensações do morcego de Fino.

Todos tinham opiniões sobre a situação e um debate tomou as primeiras horas do dia daquela companhia. Ceoris tentava racionalizar seus conhecimentos religiosos e da história de guerras, Jake fazia o mesmo mas ampliando a conversa com detalhes sobre a região, e Fino contribuiu com informações obscuras sobre criaturas bizarras de um mundo nas profundezas da terra que tinham poderes para emular esses efeitos – apesar de nunca ter visto ou ter conhecimento sobre algo dessa magnitude.

– Meus caros, minha dúvida agora é se estamos diante de algo que pode ser investigado e combatido por nós ou uma coisa que devemos apenas relatar? – indagou, por fim, Dmitri.

– Isso me deixa angustiada, pois eu estudei muito sobre religião e história. Tenho isso como grandes referências de todo meu conhecimento e, mesmo assim, não tenho a menor ideia do que se trata. Sou forçada a imaginar que isso deve ser algo muito grande e poderoso, ou demoníaco demais que não tem sequer registros. – rumorejou Ceoris.

– De onde venho, existem criaturas que podem usar poderes diferentes da magia ou dos músculos. Talvez vocês nunca tenham ouvido falar a respeito de psionismo. É um poder que a mente cria, e tão poderoso que pode estar sendo usado aqui. – comentou Fino.

– Existem poderes que podem ser combinados a magias, principalmente com a ajuda de rituais e canalizadores de poder mágico, certos artefatos especiais. Acredito que podemos estar lidando com todas essas opções. – respondeu Serter, ao seu modo duro.

– Vocês se recordam dos rumores que ouvimos em nossa viagem antes de chegarem à Lorrish? Aqueles mercenários maltrapilhos sussurravam sobre a Mão de Vecna ter sido encontrada por aqui. Será verdade? – indagou Dmitri.

Naquele momento todos ficaram se olhando, enquanto no fundo de suas mentes, uma divagação tomava conta do raciocínio. Confrontar algo assim estava além de suas possibilidades. A Mão de Vecna era uma lenda, um artefato mágico de extremo poder perdido há eras. E um frio repentino assolou o grupo, que permaneceu calado após aquela conjectura. Era realmente um mal muito grande, e isso combinado com criaturas malignas poderosas, como parecia ser o caso, significava que algo terrível estaria em curso ameaçando o mundo inteiro.

– Podemos fazer muitas suposições, inclusive a de que algo ruim pode ter acontecido com a cidade e não ter uma mente maligna por trás, apenas ser uma condição que não teve fim, como uma catástrofe. Por isso acho que temos de investigar. Não vamos descobrir nada aqui parados e se um mal está consumindo essa região, é preciso levar a luz até lá. – incentivou Jake.

No final, o senso de heroísmo e aventura pulsou mais forte comandando as ações de todos. Ficou estabelecido que antes de prosseguirem todos, um grupo menor faria uma busca rápida por lugares de interesse, agindo como precursores a evitar surpresas desagradáveis ao mesmo tempo em que podiam se mover com cautela. Dmitri retornou ao posto de batedor sorrateiro – até mesmo por ter visto muito de Shandalanar; enquanto Ceoris e Fino serviram de bússola para magias e energias malignas.

O trio percorreu as ruas tomadas por vislumbres de imagens pálidas como lembranças de um dia passado, enquanto avaliavam os prédios e construções onde poderia haver alguma informação útil, até que todos tiveram a mesma sensação ao parar em frente ao grande casarão do burgomestre de Shandalanar. O edifício opulento tinha as portas escancaradas como a boca cheia de dentes de uma planta carnívora que prepara uma armadilha.

Após averiguar que o casarão fora modificado, ganhando um alçapão por onde quatro ou cinco pessoas poderiam passar enfileiradas descendo uma escadaria longa para algum lugar obscuro, os três voltaram para a pequena casa da fazenda para encontrar ansiosos companheiros por notícias.

Desde o começo eles sabiam que aquela descida era uma armadilha. E as presas morderam a isca.

Leia o glossário para compreender alguns termos e ler os capítulos anteriores dessa aventura.

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Janary Damacena

Sempre interessado em narrações fantásticas e de horror, apreciador de boa interpretação e defensor da regra de ouro.

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