Esta Narração Imortal
Há algum tempo tenho me dedicado a ler e mestrar outros sistemas de RPG e, nesse mesmo tempo, li e conheci Este Corpo Mortal. Devo confessar que a princípio fiquei com dois “pés atrás” ao descobrir que entre as novas propostas desse jogo estavam a narração colaborativa e o não uso de dados.
Mas também tive a alegria de perceber que meus preconceitos estavam me impedindo de ver as novas possibilidades e até mesmo uma nova vertente diante do mundo rpgístico.
E lá estava eu me aventurando em uma possibilidade narrativa mais ousada! No último final de semana participei de um evento onde parte dos jogadores da minha mesa eram novatos e diante desse desafio resolvi colocá-los em uma participação mais ativa do jogo. Como? Narrando suas ações, contribuindo para a construção do enredo e até mesmo propondo novas saídas e visões para o problema que se apresentava!
Devo assumir que sempre admirei mestres que tinha uma bela lábia e talento descritivo que deixariam Tolkien com inveja, mas nos últimos tempos, devido ao contato com novas imersões, esta prática (ultradescritiva) tem me cansado um pouco. Esses dungeon masters sólidos e convictos nas centenas de páginas de core e ambientações e que já possuem uma certeza absoluta de onde a aventura ou campanha vai acabar!
Pois bem! Os novatos desse final de semana me levaram a refletir! Com suas participações e com narrações geniais, me levaram a entender como, muitas vezes, nós mestres somos preconceituosos! Sei que também o outro lado existe, e que não é nem um pouco agradável encontrar um jogador egomaníaco e que só pensa como seu personagem é demais. Não aguentei e desconectei do YouTube outro dia, ao tentar assistir um jogo onde um dos aventureiros levou mais de dez minutos descrevendo como um flashback fez seu personagem chegar a tal ação. Não contente, o mesmo facínora levou mais uns quinze impedindo o mestre de fechar a sessão e tentando convencer a todos, com mais um egoflashback, que seu personagem era essencial a aventura.
Depois de um certo tempo de experiência e pensamentos soltos, chego à conclusão de que tudo na vida, e principalmente no RPG, tem que se equilibrar diante dos desejos do grupo! Falar por três minutos seguidos como foi o golpe que derrubou o saxão de seu cavalo, em meio à adrenalina de um campo de batalha de Pendragon, só vai deixar algo que seria enérgico, morno e insosso. Não descrever com alguns detalhes como seu jogador conseguiu enganar aquela atravessadora de armas, vai confundir seus parceiros e deixar de dar bons ganchos para o mestre trabalhar!
Compreendo e sei que cada pessoa se exprime de uma maneira diferente, mas também acredito que, como narradores, podemos sempre puxar um pouco mais da participação dos jogadores.
Certa vez, jogando com uma moça que era bastante tímida e havia conversado comigo porque não gostaria de falar a todo instante, pensamos em uma simples e emocionante solução! Ela fez uma druida que foi criada nos Ermos, e só emitia sua opinião em momentos cruciais e sempre com frases de sabedoria! Ela adorou! Foi à internet e escreveu em sua ficha várias frases de autoconhecimento misturado a natureza e deixou sua marca no grupo! Quando aquele Observador ameaçou e chantageou os personagens, a druida levantou a mão e interveio: “Tudo na natureza tem seu momento certo e os ímpios pagarão com sua ganância!” Era uma diversão só!
Claro que podemos não esquecer de tratar aqui do mestre mandão! Ou vulgarmente, “seu mestre mandou”. Ao fazer uma descrição excelente de um rio com corredeiras, com clima ameno e úmido onde os aventureiros se sentem amedrontados e cansados depois de um dia extenuante de caminhada, “seu mestre mandou” destrói tudo com a seguinte frase: – Joga natação ou destreza, “ou seja lá o que for”, para ver se consegue atravessar o rio! Caros amigos narradores! Essa tem sido a característica que mais tenho lutado contra nas mesas em que estou! Nunca se permita tomar decisões na frente de seus jogadores! Não tenha medo de sempre perguntar: – O que vocês fazem? E sempre direcionando o olhar a um jogador diferente! Eu te garanto! O famigerado “joga percepção aêeeeeee!!” tem matado a possibilidade de participações criativas e geniais!
E quanto a Este Mundo Mortal? Jogar sem dados e com fichas de pôquer apostando em suas ações, assim como se intrometer magicamente em eventos no mundo apresentado pelo mestre, funciona? Sim! E tem dado muito certo!
Mestres! Não duvidem da capacidade de seus jogadores! Eles são capazes de te surpreender com narrações e iniciativas que nunca havia pensado (isso já é um assunto para outro papo) e que só tornará sua aventura mais complexa, instigante e desafiadora! Porque a maioria não sai de casa e se desloca para umas boas horas de jogatina apenas sacanear os outros! E se esse ser surgir em sua mesa, nada que um raio punitivo e divino (que agora sim! Seu mestre mandou!!) não resolva! Mas lembre-se! Desafie o carinha a narrar como foi que aconteceu esta morte trágica!
texto de Tiago Rolim, amigo minduim do Green Peanuts Tavern.
Carlos Hentges
Gosto de Este Corpo Mortal por diversas razões, mas especialmente pela liberdade narrativa que concede aos jogadores. A capacidade de interferência na história a partir do uso de marcadores de Magia e Poder é sensacional e, na minha experiência, sem igual. Contudo, o sistema de resolução de conflitos se mostrou lento demais para o meu gosto, especialmente em cenas mais movimentadas. De qualquer modo, todo jogador deveria dar uma oportunidade às possibilidades que esse jogo oferece.
Pedro Henrique Teixeira de Barros
Este Corpo Mortal é um jogo que quero muito jogar ainda ! Tenho , já joguei e considerei um jogaço, mas ainda não pude narrar para ver como funciona do outro lado do escudo.
Seu texto foi bom para me inspirar a narrar justamente ele para uma galera que deseja conhecer o rpg , onde ficarei com a responsabilidade de ser o narrador.
Abraço !
Tiago Rolim
Obrigado a todos pelos comentários! Realmente nenhum RPG é livre de dificuldades e entraves, também acho que um número elevado de jogadores, cada um com ações amplas em um conflito, podem dar certo problema, mas que não é diferente de outros RPGs. O que tento fazer é otimizar o movimento dos NPCs, ganhando tempo para os personagens…
Tiago Rolim
Esse Pedro Henrique é meu sonho! Levar mais e mais jogadores para aqueles sistemas que amo!!! Tente mesmo a posição de.moderador!!! Vai se surpreender!!!
VOLNEI
Tiago, fiquei interessado no sistema, achei muito intrigante sua descrição, além de achar que parte das dicas dadas sejam adaptáveis a qualquer outro sistema. Também gostaria de mencionar algo: ao mesmo que faço jogadas para ver a dificuldade que determinado personagem teve ao desempenhar uma ação (e com isso incutir um pouco de aleatoriedade no jogo, inclusive para mim, que a partir disso terei de fazer a descrição 😉 ), uso do “teste isso” para deixar os jogadores não tão confortáveis em uma situação, criando tensão e expectativa, pois creio que, na medida certa, acrescentam bastante ao jogo. O que acha? Abçs e ótimo post!