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RPG entre pais e filhos

Na noite de sábado da última semana de março, recebi um whatsapp de um amigo que me questionou o porquê de eu não ter ido me reunir com a galera na tarde daquele dia. Depois de explicar que até pouco tempo antes estive jogando RPG com meu filho de 11 anos e uns colegas dele, a mensagem seguinte foi taxativa: “Como assim tu ficou horas jogando com crianças? Tá maluco?”.

Pois é, estou mesmo. Mas isso tem muito mais a ver com minha própria história e com coisas que acredito do que qualquer outro motivo e, depois de muito pensar sobre esse assunto, me surgiu a ideia de escrever esse artigo:

Desde o começo deste ano, várias situações sem a menor ligação (tirando o fato de terem o RPG como fio condutor) foram me reforçando a importância dos pais iniciarem seus pequenos nesse fantástico mundo da imaginação. E quando digo “pais” e “mundo da imaginação”, não quero dizer que isso é papel apenas do genitor biológico ou dos Roleplaying Games, entenda isso como “pessoas legais” e “literatura em geral”.

O fato é que alguns desses casos me chamaram atenção, do começo de 2018 para cá. Foram os debates sobre a importância das mesas exclusivas para crianças durante os Encontros D30, realizadas por nobres entusiastas –  e alguns nem filhos têm; amigos ostentando com orgulho as iniciativas de apresentar o hobby para seus filhos/sobrinhos/afilhados; um colega que está numa busca para conseguir uma mesa de jogo para o filho de seis anos… entre outros exemplos. 

E eu acho essencial essa iniciação, principalmente quando a influência vem de pessoas tão importantes na vida das crianças. Estimular a criatividade, oratória e reflexão das crianças é tão importante quanto sentar para fazer o dever de casa. E a importância da leitura é fundamental nesse processo, sendo que o recente resultado da Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil demonstra isso: No cenário brasileiro, onde 44% da população brasileira não lê e 30% nunca comprou um livro, 42% dos adolescentes entre 11 e 13 anos são os que mais leem por gosto, seguidos por crianças de 5 a 10 anos (40%). Entende a relevância desses números?

Mas o que tem a ver a minha história pessoal com o entusiasmo no incentivo aos jogos de RPG? Simples! Eu me encaixo em uma parte da pesquisa que diz que a mãe é a principal pessoa a influenciar a leitura no Brasil. No meu caso, é completamente verdade, pois minha mãe foi a primeira pessoa que falou sobre RPG e me explicou do que se tratava. Ela nunca jogou, mas sempre reconheceu a importância desse tipo de estímulo e buscou inúmeras formas de o fazê-lo para meus irmãos e para mim.

Apesar disso, meu pai teve um papel extremamente relevante nessa história toda! Ele nunca foi muito dado ao hábito da leitura de livros, sempre preferiu jornais e revistas, mas sempre se mostrou incansável quanto ao encorajamento da leitura e de jogos. Foi ele quem patrocinou todos os meus livros de RPG na infância e juventude, além dos meus primeiros dados, e isso ganha uma dimensão ainda mais significativa se analisado do ponto de vista das memórias afetivas.

O problema é que isso não é uma realidade para a maioria, já que o pai não é uma figura representativa nessa questão – segundo a pesquisa, a figura masculina que mais tem influência na leitura é o professor.

O fato é que minha primeira mesa “séria” só foi jogada por volta de 1994, quando um tio teve a incrível disposição de mestrar AD&D para seis crianças (entre seis e dez anos) numa noite fria de sábado. Ainda hoje a lembrança daquele momento é bastante vívida em minha mente, com meu anão de barba longa e ruiva que carregava um machado para se proteger dos perigos à espreita, mas que no final evitou que o grupo entrasse em combate contra um verme carniceiro jogando carne podre encontrada num aposento pouco tempo antes… enfim, foi um momento especial. Verdadeiramente mágico! E essa noite abriu uma série de novas perspectivas na minha vida, além de influenciar leituras, filmes e, por que não, na vida adulta como jornalista – que vive para contar histórias.

Claro, antes disso eu já me arriscava em narrações de Dragon Quest para meus irmãos, mas era diferente. Eu fazia meu melhor, mas não tinha a exata noção de como ser um mestre de jogo. Tinha como orientação apenas as instruções do livro e uma interpretação vaga de um mundo vasto e diferente, mas que já tinha a criatividade aguçada pelos preciosos livros das Aventuras Fantásticas, que já serviam de guia. Mesmo assim, meus irmãos e eu nos divertíamos muito, disso tenho certeza!

O tempo passou, e em alguns momentos o RPG ficou um pouco afastado, mas nunca o deixei de lado. Hoje sou pai de dois moleques. O Arthur está com 11 anos e o Ravi com 2. Os dois participam dessa parte da minha vida que há 13 anos está tão ativa no hobby quanto naqueles primeiros dias de 20 e poucos anos atrás. Faço parte de um grupo de promoção do RPG e os garotos já foram em vários eventos. 

O Arthur começou a frequentar aos 5 anos para começar a se ambientar, e efetivamente aos 6 ele participou de uma mesa de Malditos Goblins. Desde então ele nunca mais parou de jogar, claro que não na frequência que ele e eu gostaríamos, mas me esforço para ajudar. O Ravi ainda está novo para jogar, mas já acompanha as mesas de Greyhawk e Fighting Fantasy quando narro em casa para meus grupos, e ele adora ficar sentado junto dos jogadores ouvindo as histórias antes de dormir.

Aqui cabe um adendo: meu tio, aquele que narrou AD&D, teve vários filhos, e o Lucas, o caçula que hoje está com 16 anos, jogou RPG pela primeira vez comigo anos atrás, e até hoje gosta e participa de sessões lá em casa ou nos eventos do Grupo D30. É, talvez, uma forma de retribuição. Mas meus outros primos também jogaram comigo várias outras vezes.

E, sabem? Todas essas experiências beiram o transcendental! Ter a oportunidade de se juntar aos mais novos para momentos como esse, de contação de histórias, de enriquecimento da criatividade e estímulo aos bons hábitos, não há prazer igual. Sou muito feliz por ter essa oportunidade e ver a evolução deles como leitores. Sim, o Ravi tem livros e pede para ler para ele todas as noites, e o Arthur já leu mais livros do que muitos adultos que conheço.

É isso que eu acho fenomenal! A participação e envolvimento dos pais, amigos e família nessa evolução, na vida das crianças. Grandes amigos meus fazem o mesmo e trocamos experiências sobre essa jornada. O Rafael também já está mostrando ao Felipe como rolar dados, o Thiago mestra para o João Vitor e o Leonardo, o Ricardo já colocou a Stella em duas partidas, o Larcher apresentou jogos com fundamentos de RPG para os sobrinhos… isso falando só dos mais próximos, pois tenho conversado com muitas outras pessoas que têm proporcionado experiências como essas. São tantas boas experiências que reforçam essa relevância em influenciar as crianças no bom caminho do RPG que não vejo argumentos contrários.

E daí eu retomo àquela primeira parte desse texto, onde eu afirmei que estou maluco. Sim, estou mesmo. Se essa é a melhor definição para quem está disposto a incentivar a nova geração no hábito da leitura e dos jogos lúdicos, então pode me chamar assim! Gosto de passear entre o menino maluquinho e o maluco beleza porque quero ser parte da diferença, e você?

#17 PODCAST D30 – Mestrar para Crianças

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Janary Damacena

Sempre interessado em narrações fantásticas e de horror, apreciador de boa interpretação e defensor da regra de ouro.

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6 Comments:

  • Marcelo Ortolani

    abril 11, 2018 / at 4:31 pmsvgResponder

    Gostei muito do artigo! Adoraria saber de mais detalhes do como são suas sessões com crianças… Quanto tempo duram? Como lida com a violência? Acha mesmo que seu filho de 2 anos é novo demais para jogar? Porque eu já mestrei para o meu de 2 anos.

    • Janary Damacena

      abril 17, 2018 / at 4:49 pmsvgResponder

      Eae Marcelo, blz? Então, jogar com crianças é bem fácil na verdade! Tudo gira em torno de prestar atenção aos indícios que eles dão. Se querem porrada, dê porrada; se querem zueira, dê zueira… e assim por diante. As crianças sempre são mais simples de compreender do que jovens e adultos, eles nem precisam falar o que querem basta ficar atento às suas escolhas. Outro ponto é o tempo, quanto mais divertido mais eles querem jogar, mas não aguentam tantas horas seguidas. Geralmente duas, no máximo três horas está bom. A menos que seja um grupo já experiente. Outra dica é usar sempre cenários que eles gostem, puxando para desenhos, games e afins…

  • Hugo Rebonato

    abril 17, 2018 / at 8:54 amsvgResponder

    Parabéns! É isso!
    Eu costumo dizer aos meus amigos RPGistas aqui da cidade que, assim como os “caras legais” nos apresentaram o RPG anos atrás, agora é nossa vez de passar adiante.
    Nada supera a emoção de ver o primeiro personagem sendo feito, as primeiras decisões, aventuras… poder levar tudo isso à vida de uma pessoa é muito gratificante.

    Nunca tive essas experiências com crianças, mas esse artigo traz um grande incentivo. Obrigado!

    • Janary Damacena

      abril 17, 2018 / at 4:53 pmsvgResponder

      Valeu Hugo!

      Sempre que narro para uma pessoa que nunca jogou, lembro de como tive pessoas legais fazendo isso por mim com a maior paciência do mundo, então nada mais natural. Quando se trata das crianças acho ainda mais fundamental, pois se eles gostarem realmente do RPG levarão a experiência adiante na vida, e quando são seus filhos essa experiencia é indescritível!

      Aproveite o incentivo e faça um teste, mestrar pra crianças é um aprendizado incrível para os mestres.
      Abs

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