Gen Con 2014 – Um retiro nerd com gostinho de quero mais
Eu fui para esta Gen Con, a minha primeira, tendo uma vaga noção do que ia encontrar. Alguns amigos foram em outras edições e eu já tinha visto na internet vídeos e notícias sobre este tipo de evento. Mas nem em meus sonhos mais infantis eu imaginei que seria tão divertido e tão emocionante.
Para aqueles que não sabem do que se trata, uma explicação breve: a Gen Con é uma “game convention” muito popular nos Estados Unidos. Este ano novamente bateu recorde de pessoas chegando a mais de 56 mil visitantes únicos, mais de 14 mil eventos espalhados por diversos pavilhões e hotéis durante 4 dias. Lá você encontra boardgames, jogos indie, cosplay, festas, miniaturas, oficinas de pintura, palestras, seminários. Levaria pelo menos um mês para fazer tudo. Então em 4 dias tentei focar no que eu mais queria. E essa é a primeira dica para este tipo de evento. Planejamento. Se perder no mar de gente e possibilidades é muito fácil. Separe tempo para jogar e saiba exatamente o que quer comprar.
Mas por que essa Gen Con, e por que este ano? Eu poderia dizer que o alinhamento de Marte com Júpiter favorecia viagens para eventos no exterior no segundo semestre. Ou que em escritos milenares fora gravado em sangue que, em 2014 AD, ano do cavalo no horoscopo chinês, um brasileiro estaria destinado a grandes feitos no hemisfério norte do planeta. Porém, o que me atraiu para esta convenção foi o fato dela ser focada em table top games, especialmente os RPGs. E este ano alguns eventos eram irresistíveis para este nerd que aqui escreve: o lançamento da quinta edição do meu RPG favorito (Dungeons & Dragons), justamente no ano de celebração de 40 anos de sua primeira edição, e o aniversário de 30 anos do cenário pelo qual sou apaixonado, Dragonlance.
Alguns amigos já escreveram um pouco sobre a Gen Con e com uma procurada na internet é fácil achar muito material disponível. Não adianta eu querer explicar aqui o que significa RPG, D&D, TSR, d20, etc. Terei prazer em conversar em paralelo com todos os interessados em saber mais. Por hora vou detalhar um pouco mais os eventos que destaquei.
“To play D&D, and to play it well, you don’t need to read all the rules, memorize every detail of the game, or master the fine art of rolling funny looking dice. None of those things have any bearing on what’s best about the game.
What you need are two things, the first being friends with whom you can share the game. Playing games with your friends is a lot of fun, but D&D does something more than entertain.
Playing D&D is an exercise in collaborative creation. You and your friends create epic stories filled with tension and memorable drama. You create silly in-jokes that make you laugh years later. The dice will be cruel to you, but you will soldier on. Your collective creativity will build stories that you will tell again and again, ranging from the utterly absurd to the stuff of legend.
If you don’t have friends interested in playing, don’t worry. There’s a special alchemy that takes place around a D&D table that nothing else can match. Play the game with someone enough, and the two of you are likely to end up friends. It’s a cool side effect of the game. Your next gaming group is as close as the nearest game store, online forum, or gaming convention.
The second thing you need is a lively imagination or, more importantly, the willingness to use whatever imagination you have. You don’t need to be a master storyteller or a brilliant artist. You just need to aspire to create, to have the courage of someone who is willing to build something and share it with others.
Luckily, just as D&D can strengthen your friendships, it can help build in you the confidence to create and share. D&D is a game that teaches you to look for the clever solution, share the sudden idea that can overcome a problem, and push yourself to imagine what could be, rather than simply accept what is.
The first characters and adventures you create will probably be a collection of cliches. That’s true of everyone, from the greatest Dungeon Masters in history on down. Accept this reality and move on to create the second character or adventure, which will be better, and then the third, which will be better still. Repeat that over the course of time, and soon you’ll be able to create anything, from a character’s background story to an epic world of fantasy adventure.
…. Above all else, D&D is yours. The friendship you make around the table will be unique to you.”
40 anos de Dungeons and Dragons. Lançamento do D&D quinta edição.
Desde a primeira edição em 1974 até a atual muita coisa aconteceu. Contar a história desse jogo encantador é uma missão longa e complicada. Ali do lado tem um vídeo resumo para vocês.
É, claro, muito mais do que isso. Edições tiveram seus altos e baixos, problemas com direitos autorais, empresas sendo compradas por empresas. Business. Mas para os jogadores o que vale é o prazer do jogo. Das amizades. Das inúmeras histórias que ali surgem. E para demonstrar o sentimento que eu, e tantos outros amigos, temos com relação a esse jogo, copio ao lado um pedaço do prefácio do novo livro do jogador que resume bem o que essa nova edição tenta resgatar.
Era importante para mim, que jogo desde 1989, fiz tantos amigos por causa do D&D e do RPG, conhecer essa “Meca”. E vale a pena. Muito.
Adventure League. Tyranny of Dragons. Epic adventures.
De novo um aviso: nesta parte do texto pessoas com um pouco mais de familiaridade com RPG vão entender melhor o que descrevo. Terei prazer de explicar diretamente para quem quiser saber mais, e por aqui vou tentar ser o mais didático possível, ok?
Participei de um grupo de jogos chamado Adventure League. São jogos oficiais, em que você cria um personagem (ou usa algum pré-pronto) que pode depois ser jogado em outros eventos desse tipo, em convenções, lojas credenciadas ou mesmo em casa com DMs afiliados. Me cadastrei para jogar uma versão bastante concorrida chamada “All Access Pass”. Ela me dava direito a jogar 4 aventuras (Defiance in Phlan, Shadows over Moonsea, Secrets of Sokol Keep e Corruption in Kryptgarden) sempre com os mesmos jogadores e com o mesmo Mestre (DM). Essas aventuras são ligadas à construção do novo arco de história para essa edição chamado Tyranny of Dragons. Lá me juntei a um grupo de 5 americanos e um DM também americano. Todos muito gente boa. Aliás, isso foi regra por todo o evento. Pessoas amigáveis, gentis e realmente felizes por estarem ali, mesmo as que estavam trabalhando. O “All Access Pass” me deu direito ao Players Handbook e ao, ainda não lançado, Monster Manual. E esse tipo de “brinde” realmente torna o evento concorrido. (nota: “brinde” não é bem a palavra, já que para participar dessa mesa no evento, durante 3 dias, por aproximadamente 16 horas de jogo, paguei 150 dólares. Vários outros “brindes” são dados. Não me iludo que foi tudo “de grátis”. Mas valeu cada centavo).
Já destaco a grande primeira sacada para o evento. As três primeiras aventuras são jogadas de forma independente pelas pessoas no evento. Podem ou não ser jogadas em sequência e são preparatórias para a grande aventura épica final, a Corruption em Kryptgarden. Todas as tramas são voltadas para as investigações em torno de uma ordem chamada Cult of the Dragon, que planeja trazer de volta ao mundo de Faerun a rainha Tiamat (sim o dragão de 5 cabeças) do inferno onde ela está aprisionada. Essa lógica não apenas deixa as pessoas atentas à trama central, como ajuda os jogadores a se conhecerem nos dias que precedem o evento final.
Durante as três primeiras aventuras os jogadores puderam se afiliar a facções. Elas eram os Harpers, Order of the Gauntlet, Lord’s Alliance, The Emerald Enclave e os Zhentarins. Para os mais acostumados com Forgotten Realms a primeira pergunta já vem à mente. Inimigos mortais como os Zhentarins e os Harpers trabalhando juntos? Sim. Em função de um objetivo comum eles precisam unir forças. Eu joguei como um paladino, da Order of the Gauntlet. Na mesa tinham um Harper e QUATRO Zhentarins. E isso foi ótimo! O conflito pessoal das personagens precisava ser deixado de lado em função desse objetivo maior: impedir os planos do Cult of the Dragon. Para nós, os maiorais da Order of the Gauntet, é fundamental estarmos preparados contra o mau e destruí-lo quando ele aparecer. Já para os medíocres Zhents, é ruim para os negócios se um dragão gigante de 5 cabeças espalhar a destruição pelos reinos. Tudo depende então do ponto de vista. Ao se inscrever em uma ordem, cada jogador “ganhava” um kit bem bacana. Qual a vantagem de ser afiliado a uma das ordens? Tesouros diferenciados, contato com NPCs diferentes e pontos de reputação. Estes pontos de reputação permitirão, no futuro, que alguns jogadores tenham acesso a jogos especiais VIPs.
A aventura épica foi algo inédito para mim (e para quase todo mundo com quem falei). Com a flexibilidade e simplicidade das novas regras desta edição, os organizadores conseguiram montar um evento cooperativo em que, todos os jogadores (700+ players!), simultaneamente, jogavam mini missões, com tempo pré-determinado para cumprir e assim mudar o andamento do jogo para todos. O objetivo principal: derrotar o dragão Claugiyliamatar e impedir que ele se alie ao Cult of the Dragon. Ao derrotá-lo as facções recuperariam a Dragon Green mask, artefato necessário para o ritual de retorno de Tiamat.
Funcionava da seguinte forma. Os DM passavam aos jogadores a lista de missões que eles poderiam cumprir a pedido dos lideres de cada facção. Eram 3 módulos de missões, cada um com pequenos objetivos. Conseguir a aliança de “feys”, interrogar cultistas, libertar o espírito de um lorde elfo, impedir o alarme que avisa o dragão que tropas estão chegando, etc. Todas durante a invasão da fortaleza inimiga. Cada objetivo cumprido dava pontos para determinada facção. Manter o equilíbrio entre as facções era importante, pois todos precisavam estar bem e aliados para derrotar o dragão ao final. Cada módulo tinha que ser cumprido em 1 hora de jogo. Organização dos jogadores e um pouco de sorte nos dados ajudavam. Para dar tudo certo a mecânica foi linda. Cada mesa tinha dois representantes entre os jogadores. O herói da mesa (falo dele mais tarde) e o líder. E eles não podiam ser a mesma pessoa. O papel do líder era procurar o DM chefe da área (cada área com mais ou menos umas 10 mesas com 6 jogadores cada) e informá-lo que nós tínhamos cumprido determinada missão (outorgada pelo DM da mesa). Com as missões sendo cumpridas por diferentes grupos, ele informava o comando central do jogo, que por sua vez ia pontuando cada facção e, além disso, disparando eventos que aconteciam durante o jogo. Exemplo: quando conseguimos a alianças dos “fey”, nosso grupo ficou protegido contra o sopro do dragão verde. Sim o dragão Claugiyliamatar (ou, no caso, o DM que controlava ele) ficava voando entre as mesas e aleatoriamente pousava e batia nos jogadores, que claro, podiam bater de volta. Morrer não foi raro. Depois de algumas porradas ele voava em direção à outra mesa aleatória.
Outra função do líder da mesa era pedir/oferecer ajuda. Toda vez que o grupo estivesse em enrascadas ele poderia levantar da mesa em que estava e procurar pessoas em mesas próximas que poderiam deixar seus grupos e se juntar a nós para ajudar em combate. Imaginem que todos estávamos na mesma missão, com personagens de mesmo nível, invadindo o mesmo forte, e com missões complementares parecidas. Não era difícil para um personagem “correr” de onde estava para ajudar outros aliados e depois voltar para seu grupo original. Divertido demais! As pessoas correndo de um lado para outro para curar um total estranho de um ferimento, ou ajudar um grupo que estava tendo muito azar nos dados foi recorrente.
Já o herói da mesa tinha um papel diferente. Existia no evento uma mesa especial mestrada por ninguém menos do que Mike Mearls. Era uma mesa de heróis em missões suicidas. A medida que os heróis iam morrendo (eu falei que eram suicidas?) outros eram chamados para tomar o lugar dos combatentes caídos. E esses combatentes eram justamente os heróis de cada mesa. O lado legal era poder jogar com o chefe de desenvolvimento da nova edição. O lado não tão legal era, bem, morrer. Eu, como bom paladino, fui voluntário para ser herói da mesa. Curiosamente nenhum Zhentarim reclamou… Infelizmente não deu tempo de eu ser convocado, e o jogadores remanescentes, que ao final do evento estavam na mesa do Mike, ganharam prêmios bem legais.
Depois de todos os jogadores baterem bastante no dragão e com várias missões cumpridas (e outras tantas falhando, lembrem-se, o tempo era contado e o azar no dado ou falta de estratégia podiam fazer um combate demorar bem mais do que o esperado) tivemos sucesso em nosso objetivo. Derrotamos Claugiyliamatar e recuperamos a Green Dragon Mask. A facção do Zhentarim foi a que cumpriu mais missões e saiu vencedora do evento (certeza que roubaram de alguma forma). Um membro da facção foi sorteado e ganhou a Green Dragon Mask (eles produziram uma muito bacana que foi entregue ao jogador). Foi muito, muito, muito divertido. Recomendo e, quem sabe, não conseguimos fazer algo parecido por aqui né?
Dragonlance, aniversário de 30 anos.
Num jogo de RPG o cenário, pode ser qualquer lugar que a imaginação conseguir criar. Porém existem alguns “mundos” em que pessoas talentosas criam ambientações, personagens, histórias, mapas, com características que os tornam únicos.
Sou um grande fã de Dragonlance. Posso falar que D&D e Dragonlance me fizeram aprender inglês na marra na minha infância/adolescência. Mais sobre o mundo pode ser lido na internet, mas recomendo começar a conhecer pela trilogia que dá início a tudo: The Dragonlance Chronicles. São livros de temática de fantasia medieval, com linguagem bastante juvenil e de fácil compreensão mesmo em português. Já há inclusive versões em português.
Para celebrar o aniversário de 30 anos os autores promoveram poucos eventos. Um talk show comemorativo chamado “Killer breakfast”, uma palestra contando histórias do processo de criação e homenagens a todos os que participaram. E só. Sim, na época da criação dos livros, tanto escritores como desenhistas vendiam o almoço para continuar trabalhando ainda mais durante o jantar. Todos os direitos autorais pertencem à empresa dona do D&D (TSR que vendeu para a Wizards, que vendeu para a Hasbro). Sendo assim não é possível fazer muita coisa sem ferir esses direitos. E isso é bem triste. Há acordos em andamento para voltarmos a ter material de RPG e livros de Dragonlance novamente. Mas tudo bem em estágio inicial, sem muitas certezas (apesar de que, no novo players, esses indícios são BEM evidentes, e falando com pessoas da indústria eu diria que as chances são bem grandes).
Na palestra “Dragonlance Legacy Celebration” foi muito bom ouvir os autores. Eles são muito simpáticos e disponíveis. São centenas de fãs em cada evento. Todos superlotam antes das portas abrirem. E mesmo assim cada um tem a chance de tirar uma foto, pedir um autógrafo, tietar mesmo sabe? Mas eu nunca ia imaginar o que estava por vir. Ao final do evento foram sorteados alguns brindes. Todo evento tem isso. Me inscrevi, afinal, de graça, vale tudo. Neste evento comemorativo os brindes foram bem especiais. O primeiro, um boardgame do Tracy Hickman, em tiragem limitada. Do terceiro ao quinto, miniaturas de D&D da época em que eram feitas de chumbo, raridades. E no final, um calendário de parede de 1984, original, assinado por todos. Coisa para fã mesmo. E eu nem acreditei quando eles me chamaram. Este certamente vai para a parede de casa (assim que eu negociar com a patroa onde eu posso colocá-lo hehehehe).
E aqui fica meu agradecimento. Tracy Hickman e sua mulher Laura. Margareth Weis. Larry Elmore. Jeff Easley. Tive a chance de tietar, mas também de conhecer um pouco mais das pessoas por trás de meus heróis de infância (Superman e Lanterna Verde foi mal, mas Sturm Brightblade, Tasslehoff e Raistlin são demais!). Conversar com vocês me fez lembrar do meu primeiro set de dados. O primeiro players. Do primeiro personagem (rolado 3d6 na ordem). Dos livros “cópia, da cópia, da xerox” já que “Amazon” ou mesmo “internet” não existiam na época. Suas obras ajudaram a forjar um pouquinho da criança que eu fui. E do adulto que me tornei. E tudo isso tem um sabor muito especial.
A Gen Con, assim como Meca, é para aqueles que acreditam nessa magia. Tem que ir uma vez na vida. E sair de lá uma pessoa, não necessariamente melhor, mas certamente que continua se recusando a crescer.
Esse texto foi escrito pelo Jorge, companheiro de viagem do blog 2centavos.com.br
Silvio
Ótimo post, Jorge! Aumentou minha vontade de ir à GenCon em um futuro próximo.
Pingback: Mais dicas do viajante nerd, Gencon 2017 | D30 RPG