Dicas para sua primeira campanha de Call of Cthulhu
por Aniello Greco
Mesmo sendo um dos RPGs mais antigos e mais populares, Call of Cthulhu pode representar um desafio para mestre iniciantes, ou mesmo mestres mais experientes, porém habituados a mestrar apenas histórias de fantasia e heroísmo. E não é apenas uma questão de mudar o gênero de fantasia para terror, mas também uma mudança de mentalidade por parte dos jogadores e do mestre sobre como os jogadores evoluem e que recompensas personagens e jogadores devem esperar.
Então, se você esta pensando em parar um pouco com as tavernas e dragões, e está querendo apavorar seus jogadores com os horrores indizíveis e incompreensíveis dos Mythos, aqui seguem 5 dicas simples para que apenas os personagens, e não você, enlouqueçam. São coisas que eu aprendi a usar em minhas campanhas ao longo dos anos. Claro, não é uma receita de sucesso, e há campanhas excelentes que seguem caminhos totalmente diversos. Mas acredito que se você está preparando sua primeira campanha de CoC, estas dicas podem te ajudar bastante.
1- Call of Cthulhu é um jogo bem letal. Em quase toda sessão haverão confrontos e problemas que poderão matar ou enlouquecer permanentemente um ou mais de um jogadores. E isto é essencial ao jogo, para o terror e horror funcionar. Em campanhas é comum até mesmo uma cena ou outra em que todo o grupo ou quase todo ele fique inutilizado.
Para permitir que o jogo continue facilmente, e que a transição após as mortes ou internações seja tranquila, eu recomendo a criação de um grupo de campo e um grupo de pesquisa.
Cada jogador cria 2 personagens. Um deles é o que vai a campo, que se arrisca diretamente na linha de frente. Mas este personagem, sabendo que provavelmente não sobreviverá, se corresponde com um segundo personagem. Este segundo personagem é um investigador a distância. Ele coleta as informações, e vai atras de bibliotecas, especialistas, etc, para auxiliar o grupo de campo.
Em caso de morte ou loucura permanente, o personagem do grupo de pesquisa assume o lugar do personagem de campo. E este personagem substituto já tem relação com a história, já tem a confiança do grupo, etc.
Isto permite ao mestre à história matar ou enlouquecer alguém sem problemas, e permite também que o grupo não tenha que perder muito tempo em pesquisas que não têm muito impacto dramático. Mas não faça do segundo personagem apenas um backup. Apresente no meio das sessões cartas (ou telefonemas, ou emails), deixe os jogadores ocasionalmente interpretarem uma cena ou duas com seu segundo personagem.
2- O centro do terror lovecraftiano é o medo do desconhecido. Isto faz com que quase toda história de Call of Cthulhu seja uma investigação. Contudo, diferente de histórias policiais ou de espionagem, a essência do que está sendo investigado está além da compreensão humana. Assim, o mestre tem que apresentar enigmas, apresentar resoluções mas manter o mistério insolúvel dos Mythos. Como resolver isto?
O primeiro ponto importante é que as informações necessárias para se resolver a história têm de ser claras e têm que ser de acesso garantido. Evite coisas como o acesso ao artefato essencial para o ritual depender de uma rolagem de persuasão em um NPC ou coisa similar. Sempre tenha vários caminhos para levar a Roma.
Também é importante que as informações para resolver a história sejam claras, mas as informações para entender o que está por detrás da história sejam ambíguas, confusas, místicas. Mas que haja uma resposta. Dizer coisas como “o material do que foi feito este artefato é completamente desconhecido” pode até ser usado às vezes, mas é um recurso preguiçoso. Muito melhor se você conseguir dar informações concretas e palpáveis, mas impossíveis.
Por exemplo, se você tem um biólogo investigando um fungo de Yuggoth, esteja pronto para dar respostas a como um tecido do fungo se parece ao microscópio, ou coisas assim. Mas têm que ser respostas que aumentem as perguntas, e não diminuam. Exemplo simples: fungos são eucariontes, com núcleo celular e todas as organelas. Faça sua célula de Yuggoth uma célula com tudo que tem direito, menos núcleo celular e DNA. Uma impossibilidade biológica, mas uma resposta concreta.
3- Tente sempre que possível terminar a sessões com um bom cliffhanger. Algo que deixe os personagens com medo do que está por vir. A suspense é amiga do terror.
Por exemplo, se no final da sessão eles estão conversando com um NPC que entende dos Mythos, mas eles não sabem se é vilão ou herói, e mesmo assim resolvem se arriscar e abrir o jogo sobre a investigação, termine a sessão com ele falando “Sobre este assunto, que eu não esperava que vocês conhecessem, de acordo com as minhas leituras do Necronomicom…”
E termine a sessão sem terminar a frase.
4- Se baseie em Lovecraft. Ou em coisas inspiradas em Lovecraft. Pegue um conto do mestre, ou um filme inspirado nele, e invente algo em cima.
Não tenha medo de clichês, apenas do excesso deles. Clichês funcionam muito melhor em uma mesa de RPG que nos filmes ou em livros. Por estarmos imersos nas história, um bom clichê da sensação de familiaridade ao jogador, de estarmos vivendo uma história do mesmo tipo das que ele conhece e gosta.
Conheça os clichês de Cthulhu que seus jogadores conhecem. E os use. Eles sabem o que é o Necronomicom? Faça ele aparecer na história, ou, se quiser ser sutil, faça o Kitab Al-Azif aparecer e explique que é o original árabe da tradução latina Necronomicom.
Bote tentáculos nos seus monstros, ou use expressões como “as estrelas estarão certas”. No momento certo insira nomes como Cthulhu, ou Nyarlathotep, mesmo que seja só um chamariz.
Isto vale para toda vez que você escolher mudar o gênero de história a ser contada. Os clichês de um gênero são o alfabeto dramático com o qual se cria uma história. Um bom narrador deve dominar os clichês antes de escolher pervertê-los. Então consuma o máximo de Lovecraft possível. Isto dará substância para criar boas histórias e bons improvisos de última hora.
5- Use missões paralelas e becos sem saída. Nem tudo tem de estar ligado a história central. Faça eles trombarem com alguém que está com um problema com um lobisomem. Apresente para eles um personagem que está convencido de fatos errados e informações falsas. Deixe seus personagens investigarem algo que acreditam ser importante, mas não é.
Aumenta a sensação de realismo se os jogadores descobrem que há outras coisas acontecendo no mundo além da história central. E aumenta o terror e a suspense se eles descobrem que nem tudo o que você está falando ou descrevendo é para a história ir para frente. Isto não só evita o pensamento metagame de achar que tudo que o mestre destaca tem significado, como também aumenta a insegurança e a paranóia. Quando o grupo se pergunta constantemente se estão indo na direção certa, fica mais fácil criar um senso de urgência e pânico.
Com estas cinco dicas espero que o sistema Call of Cthulhu fique menos assustador para você, mestre (ou oráculo, se usarmos o termo sugerido pelo sistema) e mais assustador para os jogadores e personagens.
Aniello Greco é um mestre de Cthulhu muito conhecido nos círculos de adoradores do terror em Brasília, Campinas, São Paulo e além. Amigo do D30, já mestrou em vários encontros, e está lá sempre que as estrelas se alinham… uma discussão nossa no Facebook o inspirou a escrever essas dicas que, como ele mesmo disse, “ao invés de dicas abstratas, vou dar algumas bem concretas”. Você também encontra ele no site de Cinema Razão de Aspecto.
Pingback: #RPGaDAY 2017 – o que rola pelo @D30RPG | D30 RPG
Pingback: #30 – PODCAST D30 – FUGINDO DA FANTASIA MEDIEVAL | D30 RPG
Pingback: #31 – PODCAST D30 – AVENTURAS LINEARES, SANDBOX E RAILROAD | D30 RPG