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A Espada do Destino – A saga de Geralt, parte 2.

Fixou os olhos nos do bruxo, não em suas mãos. Aquilo foi um erro. Geralt não reduziu o ritmo das passadas e, com a velocidade de um raio e sem tomar qualquer impulso, desferiu um golpe com a luva cheia de pontas afiadas na boca retorcida de seu provocador. Os lábios de Cigarra se repartiram, estalando como cerejas amassadas. O bruxo arqueou o corpo e aplicou um segundo golpe no mesmíssimo lugar, dessa vez tomando impulso e sentindo que, com a força e o ímpeto do golpe, se livrava da raiva até então acumulada no peito. Cigarra, dando uma volta com uma perna enfiada na lama e a outra erguida no ar, soltou golfada de sangue e caiu de costas numa poça. O bruxo, ao ouvir o som de uma espada sendo desembainhada a suas costas, girou o corpo fluidamente, levando a mão à empunhadura da sua.

– O próximo, por favor – falou com voz trêmula de fúria. – Quem vai ser o próximo?

(Trecho do conto Um Fragmento de Gelo)Andrzej Sapkowski está com 65 anos e após um longo período sem escrever algo sobre o mundo do bruxo Geralt, acaba de anunciar que vai retornar às histórias do personagem em aventuras novas. O escritor mora em Lodz, onde é cidadão honorário desde 2008, e talvez esteja motivado por atualmente ser o embaixador da cidade na luta pelo título de Capital Europeia da Cultura 2016.geraltderivia

Apesar da boa notícia não há outra informação à respeito do novo livro, o que nos leva de volta ao objetivo inicial desta resenha, que é trazer breves comentários sobre o segundo volume da saga de Geralt publicado no Brasil. Um ponto importante que vale ressaltar é que a tradução é feita novamente por Tomasz Barcinski, o que não é nenhuma surpresa, afinal foi o tradutor que apresentou Sapkowski para o pessoal da editora Wmf Martins Fontes, e possivelmente não haverá outro tradutor para esses livros. Mas isso não deixa de ser um mérito, pois a tradução direto do polonês é cuidadosa e muito bem feita, onde o Barcinski consulta versões em inglês e espanhol, além do próprio autor.

 

Este segundo livro traz uma série de histórias sobre o witcher, o que é um privilégio para os leitores brasileiros, uma vez que em vários países este livro não foi publicado. Por ser tratar de contos, assim como no primeiro volume, algumas editoras internacionais preferiram dar destaque ao romance que só começa a partir do terceiro livro. Acredito ser um grande erro, pois estes contos servem de introdução para a saga de Geralt de Rivia. Se no primeiro livro conhecemos os personagens principais e o mundo onde se passa a aventura, este segundo volume se aprofunda na relação entre os personagens e revela acontecimentos mais importantes na vida de Geralt, com eventos que vão dar formato ao romance que, efetivamente, se desenrola a partir do próximo livro.

A diferença entre este segundo livro e o primeiro é que aqui não temos os interlúdios antes de cada história, porém o número de contos é o mesmo (seis) e eles são um pouco maiores. Além disso, Sapkowski mostra aqui seu lado mais “matemático”, já que é pós-graduado em economia e atuou por muitos anos em comércio exterior. Mas nada que deixe as histórias entediantes, só reforçam um lado pouco explorado por outros autores de fantasia, que é o comercio, sistema monetário e suas formas de lidar com fortunas.yennefer02_det02

O Limite do Possível – Este, para mim, foi um dos melhores contos do livro. Bem equilibrado, tem de tudo um pouco: romance, aventura, ação, batalha, filosofia e comédia. Aí você pergunta “mas como uma história de oitenta e poucas páginas tem espaço pra tudo isso?”. Sim, tem! A narrativa começa com Geralt finalizando uma missão (ou criatura, como preferir) e rapidamente passa para uma caçada a um dragão. Aqui ouvimos falar pela primeira vez sobre as zerricanas, uma espécie de guerreiras que lembram alguma coisa das amazonas. Gostaria de saber mais sobre elas futuramente. Temos o bardo Jaskier, a feiticeira Yenneferm, além de novos personagens. Mas nenhum é tão cômico e divertido quanto o anão Yarpen Zigrin e seus “garotos” (um grupo de anões guerreiros). Uma trama interessante com reviravoltas surpreendentes. Legal também é conhecer mais sobre a mitologia dos dragões neste mundo, uma vez que são criaturas raras e até aqui quase nada havia sido dito sobre eles. O ponto alto, para nós que jogamos RPG, é que na maior parte Sapkowski detalha a jornada dos aventureiros, com suas conversas, a maneira como se tratam, como funciona uma comitiva real com suas intrigas palacianas fora dos castelos. Enfim, uma ótima abertura para o livro!

Um Fragmento de Gelo – O que falar deste conto? Bom, achei o mais fraco de todos. Chato começar tão bem um livro e, de repente, cair drasticamente o nível. Não é que seja ruim, mas nem de longe está no mesmo patamar dos demais. Talvez seja o foco melodramático que trata quase exclusivamente do relacionamento conturbado de Geralt e Yennefer, mostrando cada vez mais que apesar dos bruxos “não sentirem emoções”, o lobo branco parece ter saído um pouco deste perfil – dá a impressão de papéis trocados, uma vez que a destruidora de sentimentos é a feiticeira. Mas há boas alegorias neste conto, a começar pela explicação do título que se trata de uma lenda élfica, que apesar de curta, é bem interessante. Os pontos positivos são uma discussão entre o poderoso feiticeiro Istredd e Geralt à respeito de quem deve ficar com a sedutora feiticeira de Vengerberg, o que culmina em um duelo e a briga entre o bruxo de Rívia e o mercenário Cigarra (inclusive parte dele foi transcrita no começo deste post). No final é isso, não desagrada nem empolga.

La espada del destino de AndrzejO Fogo Eterno –  Nesta história Sapkowski mostra todo seu lado de economista, revelando muito sobre a maneira como funciona a economia neste mundo. Ele nos apresenta como são realizadas as transações em bancos (sim, existem bancos) onde os anões são os maiores especialistas, que contam com ajuda dos gnomos. Além disso, é mostrado outras formas de comércio como as cartas de crédito, especulação de preço de produtos como tecidos e tintas, a influência de guerras e adversidades naturais no valor do comércio. Gostei bastante deste conto, que traz detalhes sobre a maior cidade do continente, Novigrad. Fala sobre como é o funcionamento, estrutura e estilo de vida das pessoas que lá moram. O que mais me chamou atenção, no entanto, foi o vislumbre do fanatismo religioso que deixa um clima de perigo iminente a qualquer momento e permeia toda a história. O Fogo Eterno é a igreja que possui a esmagadora maioria dos templos na cidade. Além disso, é descrito o amedrontador Chapelle, que é o vicário encarregado das questões de segurança da cidade, em uma espécie de serviço secreto subordinado à igreja. Apesar de Chapelle não ser um sacerdote, é o mais poderoso e temido homem de toda a cidade, por aí dá tirar uma ideia do quanto ele deve ser mal! O conto ainda introduz uma criatura chamada vexling que amarra toda a trama e proporciona os maiores momentos de reflexão da história. Para o tradutor Tomasz Barcinski, o vexling é a criatura mais interessante dos três livros até então traduzido.

Um Pequeno Sacrifício – Para mim esta foi a narração mais “emocionalmente carregada” por tratar de uma forma mais inspirada sobre sentimentos de abandono, rejeição amorosa, saudades, paixão e tristeza. Se em outros contos o polonês tentou dar uma forçada em alguns personagens, aqui tudo soa mais real, mais verdadeiro e por não ter um final muito animador – na verdade o final é lúgubre e lamuriante, mas ainda sim belo – parecer ser mais honesto com o clima sombrio da saga. O pano de fundo é uma festa e o romance entre uma sereia e um enfadonho monarca, cada um prefere que o outro se sacrifique para ficarem juntos, o que rende cenas bem interessantes sobre a vida no mar, algo que ainda não havia sido explorado nas narrativas. Inclusive, neste conto há uma batalha entre o bruxo e criaturas marinhas sob um desfiladeiro que só é possível alcançar quando a maré está baixa e acaba revelando uma passagem secreta para um lugar obscuro e desconhecido, numa descrição que muito me lembrou os climas das histórias do Lovecraft e seus horrores inomináveis. Além disso, está presente o bardo Jaskier, que é sempre diversão garantida, mas neste conto é o personagem que protagoniza o momento mais emotivo de todo o livro, quando toca uma balada sobre paixão mas com clima meio fúnebre. Achei esta história uma das mais interessantes. 20081205l40l40act_12

A Espada do Destino – O conto que dá título ao livro é muito bom, talvez um dos melhores em termos de ação. Geralt tem trabalho do começo ao fim, seja com monstros dentro de uma floresta proibida ou com mercenários humanos que se aproveitam de uma guerra para roubar e matar mercadores. Conhecemos Brokilon, uma floresta perigosa que fica entre três reinos humanos, mas que é respeitada pela força de suas moradoras, as dríades, que se organizam como criaturas selvagens, amantes da natureza e que não conhecem o medo. Não há homens ou seres do sexo masculino, por tanto a única forma de ampliar sua linhagem é obrigando homens a servir de reprodutores (não ficando claro o destino destes após conseguir engravidar as dríades) ou roubando meninas pequenas e transformando-as em dríades através de uma bebida mágica da rainha de Brokilon. Nesta história surge Ciri, uma menina pequena que está atrelada à vida de Geralt pelo destino que ele nega existir, mas que, futuramente será uma personagem muito presente na vida do bruxo e vai ser o norteador de vários fatos em sua vida.

Algo Mais – O começo desta narração é bem sombrio e com ritmo alucinante de uma batalha em um local sinistro. Apesar de Sapkowski não fornecer maiores informações sobre os monstros que o bruxo enfrenta ou ter mais detalhes a respeito do local (como o motivo para ele ser temido e abandonado ou que tipo de criatura se instalou por lá) isso não diminui o brilhantismo com o qual a cena é narrada. Aqui mais uma vez Geralt se depara com “o destino” ao ajudar um mercador em apuros. Depois da batalha é a vez do viajante ajudar o bruxo que cai terrivelmente ferido e tem de ser levado às pressas para algum lugar onde possa ser tratado. Durante a viagem, o bruxo fica sob efeito de remédios alucinógenos o que nos revela um pouco mais sobre seu relacionamento com a feiticeira Yennefer. Mas quem acaba curando Geralt é uma outra feiticeira, porém esta tem uma ligação diferente com o bruxo. Prestem bastante atenção ao diálogo entre os dois, pois este revela muito mais do que está escrito. Da metade para o fim do conto, é mencionada uma guerra devastadora contra um exército de guerreiros cruéis, os nilfgaardianos, que mudam o curso de muitos reinados, principalmente o já conhecido reino de Cintra.

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Janary Damacena

Sempre interessado em narrações fantásticas e de horror, apreciador de boa interpretação e defensor da regra de ouro.

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3 Comments:

  • Daniel

    junho 22, 2016 / at 11:27 pmsvgResponder

    Uma dúvida.

    Achei bem confuso o momento em que Geralt visita o Monte dos Quatorze, aonde quatorze feiticeiros defenderam o local contra as tropas Nilfigaardianas.
    Quartoze esses que morreram na luta, e entre eles Triss Merigold e Yennefer.

    Fiquei realmente confuso sobre a ordem cronológica desse relato, e se de fato essas duas feitoceiras estavam entre os quatorze.

    Na verdade não entendi por completo a ordem cronológica desse último capítulo (conto).

  • Janary

    junho 23, 2016 / at 10:51 amsvgResponder

    Daniel, preciso voltar o livro para te esclarecer melhor. Não lembro exatamente hehehehe mas pelo que me lembro talvez o conto se passe anos depois da maior parte dos outros.

  • PEDRO NACHTIGAL DE LIMA

    outubro 27, 2016 / at 11:08 amsvgResponder

    Eu li faz alguns meses, mas pelo q me lembro ele acha que ela morreu, ele quase tem certeza disso, mas quando ele le o nome na pedra, nao e o nome dela que esta gravado la.

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