Dicas para jogos de Fantasia Sombria
“Em primeiro lugar, o mestre deve fazer os jogadores compreenderem que esta não é uma aventura de fama e fortuna. Épica sim, mas de uma forma mais obscura, encarando a verdadeira face do mal. É sobre uma jornada desesperada de ir ao inferno e voltar” – Diablo II RPG
A fantasia medieval sempre teve grande parcela de público entusiasmada com estilos mais voltados às aventuras de “capa e espada”, grandes efeitos mágicos, honra e glória, a busca por tesouros incríveis, reinados gigantescos e coisas do tipo. Porém, um estilo de aventuras mais sombrias, com temas mais orientados ao terror têm cativado cada vez mais jogadores e mestres ao longo dos últimos anos.
Mas não se deixe enganar, a chamada Fantasia Sombria existe muito antes do RPG ser criado, basta conferir escritores como Robert E. Howard, com o bárbaro Conan; Andrzej Sapkowski e seu Geralt um bruxo caçador de monstros; Michael Moorcock e o rei atormentado Elric; até mesmo Tolkien deixou sua contribuição (em fragmentos por seus diários, é verdade, mas sem dever nada aos demais) na sinistra saga de Túrin Turambar. Enfim, a lista é enorme e vale muito ser conferida.
O fato é que misturar terror e aventuras medievais pode ser mais complexo do que outros tipos de mesa, onde bastam conversas bem interpretadas e combates animados. O próprio estilo precisa de um pouco mais de imersão por parte dos jogadores e mais artimanhas do mestre para que funcione bem.
Claro, muitos livros de RPG tratam disso, e alguns são próprios do estilo, mas às vezes é preciso uma ajudinha mais resumida e fácil para ambientar uma aventura, afinal nem todos se interessam por uma campanha inteira de fantasia sombria, talvez apenas uma partida já resolva. E foi com este pensamento que me surgiu a ideia de escrever algumas dicas sobre efeitos sinistros para causar mais impacto durante a sessão.
Descreva os Monstros!
A maneira de descrever os monstros precisa mudar! O horror está todo na imagem que o jogador cria na cabeça enquanto você narra a história.
“A enorme criatura surgiu repentinamente da escuridão absoluta sem fazer qualquer tipo de ruído. Lembrava vagamente um humanoide de pele negra como o ébano e cabelos compridos na cor branco-acinzentado. De aspecto bestial, seu rosto deformado possuía olhos pequenos e vermelhos com um focinho alongado que se abria zombeteiro em uma fileira de dentes pontiagudos lembrando uma hiena sedenta por sangue. De seu torso poderosamente musculoso brotavam dois pares de braços, sendo os dois de cima maiores e terminavam em garras afiadas como lâminas, enquanto o par mais abaixo era fino e longo, terminando em mãos diminutas. Abaixo da cintura começava o corpo asqueroso de uma gigantesca aranha de pelo arroxeado e patas frenéticas: era uma verdadeira aberração”.
Jogadores que já passaram milhares de vezes por determinado monstro, não se assustam ao vê-lo novamente, mas descrever o que normalmente seriam características secundárias de uma criatura, algo que não é muito percebido, pode gerar surpresa ou mesmo criar uma expectativa incerta. Lovecraft dizia, “o medo do desconhecido é talvez maior do que qualquer outro”. Visto por um ângulo diferente do comum, algo simples pode ser tornar inesperado e uma criatura monstruosa pode se transformar em um grande pesadelo. Na maioria dos livros de RPG, os monstros possuem uma breve descrição e normalmente uma imagem de apoio, então use isso para incrementar sua narrativa dando um toque especial em cada encontro.
Claro, não precisa escrever um capítulo de livro para cada monstro que seus heróis forem enfrentar, mas dedicar um parágrafo que possa ser explicado de forma fácil antes do combate ajuda a criar a atmosfera de tensão – aqui mais uma consideração, geralmente quando o mestre começa a ler algo, os jogadores desprendem a atenção, por isso falo na importância do próprio mestre escrever a descrição, pois assim ele fixa melhor na memória e não recorre tanto ao texto, conseguindo apresentar uma narração melhor do que teria se tivesse de inventar na hora. Lembre-se de focar aspectos terríveis de uma criatura, e não se prenda as estatísticas de jogo, nome da criatura ou já diga de cara o que é, faça seus jogadores terem medo dela. Na verdade, quanto menos os jogadores souberem sobre o que estão enfrentando mais terrível será o encontro – para eles claro. Algo que ajuda bastante é o uso de palavras diferentes, exagere na quantidade de adjetivos pois eles vão servir para empregar características mais peculiares à criatura. Fica aqui a velha dica: leia muito! De fantasia, de terror, de suspense… leia muito.
Mostre o que os personagens estão vivenciando
Todos os livros de RPG vão dizer que o mestre serve de olhos e ouvidos para os jogadores, e em uma narração de terror, essa afirmação é mais que verdadeira, pois o mestre deve fornecer adjetivos que façam todos os sentidos dos jogadores trabalharem. Para criar uma atmosfera sombria é preciso que a cena seja criada na mente de quem ouve a história e nada pode ser mais vivo do que sentir cheiro, ouvir barulhos, ver cores ou sentir texturas.
Em busca de novos conhecimentos, cinco feiticeiros guerreiros vagaram para o norte de sua cidade magnífica. Seguiram por todos os lugares conhecidos até acharem aquele rio, que parecia não estar fluindo para lugar algum, estava simplesmente lá com sua superfície negra de limo podre e insetos disformes e gigantes. Margearam o rio e após três dias, chegaram à cidade, que estava abandonada no deserto. Por quanto tempo estava ali, ninguém conseguia adivinhar, mas devia ser antiquíssima, pois suas construções tinham formas muito estranhas, com pirâmide e colunas, nada quadrado ou redondo e tudo era decorado com desenhos de peixes e polvos – imagens bizarras e perturbadoras para encontrar numa cidade do deserto; e lá dentro nada vivia. Nem animal ou planta. Uma estranha atmosfera dominava o lugar e por causa disso, os aventureiros sentiram como se estivessem profanando um santuário sagrado. – O Prisioneiro da Cidade Morta, Titan – Aventuras Fantásticas.
Todas as ações têm consequências
“O mal, uma vez que vem do coração dos homens (e elfos e anões), pode ser verificado, mas nunca derrotado para sempre”. – Dragon Age RPG
Ter moral significa agir conforme os bons costumes, proceder conforme a honestidade e a justiça. Mas em uma campanha ou aventura de fantasia sombria, a vida nem sempre é justa. Ela é, na verdade, cheia de escolhas morais, algumas pequenas outras grandes, porém todas têm suas consequências e o mestre deve sempre dar livre-arbítrio aos personagens para que estes façam suas opções. Mas os jogadores têm de estar cientes de que haverá consequências para suas ações, sejam boas ou ruins. Principalmente neste estilo de jogo, os finais felizes são mais raros de acontecer e o que parece ser bom hoje, pode ser a semente para um problema amanhã.
Isso também é uma oportunidade para que o mestre use as consequências das escolhas dos personagens contra eles próprios. É uma forma de forçar os jogadores a refletirem mais sobre suas ações. Posso citar aqui, o maior exemplo de todos: os heróis que precisam da informação que um bandido tem, mas este se recusa a falar. Torturar o criminoso é um dos caminhos mais comuns nas mesas de jogo, mas essa é realmente uma atitude heroica? Uma maneira de forçar escolhas morais pode ser a do “mal menor”, como no caso dos aventureiros que estão com o tempo esgotando para alcançar um grande inimigo e chegam a uma aldeia infestada por criaturas malignas, mas de menor perigo. O que eles fazem? Param para ajudar e perdem o grande vilão ou seguem em frente deixando os moradores a seu próprio destino?
Por hora, fico por aqui. Estou juntando mais alguns conselhos de livros maneiros que podem servir de inspiração, então assim que terminar o rascunho da segunda parte publico um novo artigo.
ML
No RPG Rastros de Cthulhu os autores de propósito não colocam imagens dos monstros… colocam descrições de livros do Lovecraft e outros do Mythos Cycle, para que você possa se inspirar no tipo de descrição precisa fazer… muito bom!
https://d30rpg.com.br/2011/05/trail-of-cthulhu/
@Heitordealmeida
Olá.
Eu tenho tentando muito colocar um clima mais sombrio nas minhas campanhas, mas sempre falho. Não sei se a falha é só minha ou se é também dos meus jogadores que não tem interesse em fazer esse tipo de “imersão” no jogo.
Algo que eu queria colocar bastante no jogo eram as escolhas morais como uma maneira de impor um tom mais sério na sessão (que era minha intenção desde o inicio). Tentei algumas vezes e algumas delas tiveram o efeito esperado. Outras não… E, embora tenha aceitado que falhei desde o começo em impor o tom, isso as vezes me chateia.
Decidi tocar o barco e continuar com a campanha sem me preocupar com isso. Porém a ideia de uma aventura mais sombria ainda está por ai.
Janary
Heitor não julgue como uma falha sua ou dos jogadores, sessões com tom mais sombrio são difíceis mesmo. É preciso que todos queiram a mesma coisa na mesa, além de vários outros pontos.
Você falou da escolhas morais, e eu sugiro que leia o Dragon Age RPG que é um dos melhores sistemas a trabalhar isso de forma mais mecânica. Pense sempre que as escolhas morais não são aleatórias, elas representam dois caminhos e nem sempre é uma opção boa ou ruim, as vezes se trata de escolher um mal menor que outro. Deixar de ajudar o capitão do navio (que é seu amigo) durante um motim pode significar vida para os personagens mas também a perda de um inúmeras outras coisas. Escolhas morais não podem ser imposição, mas elas trazem consequências diretas na vida dos personagens ou no cenário. Lembra do capitão? Ele poderia ser o único a ter decorado o mapa do tesouro ou ele poderia ter previsto o motim e deixado acontecer apenas para ver quais eram seus homens leais….
O importante é conseguir acrescentar cada vez mais elementos sombrios e terror nas suas mesas, e isso não ocorre de um dia para outro e nem significa que durante a partida não haverão momentos de risada.
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